Vitória chega ao Globoplay após levar 700 mil aos cinemas e mira Oscar 2026
5 setembro 2025 0 Comentários vanderlice alves

Vitória chega ao Globoplay após levar 700 mil aos cinemas e mira Oscar 2026

Do cinema à sala de casa: um retrato real que virou fenômeno

Vitória estreou no Globoplay em 19 de junho depois de uma passagem rara para um drama nacional: mais de 700 mil espectadores nos cinemas desde 13 de março. Por trás do interesse está uma história que não dá trégua. O filme, segunda produção Original Globoplay para os cinemas, volta ao caso real de Joana Zeferino da Paz, a aposentada de Copacabana que, entre 2003 e 2004, ligou a câmera VHS e apontou para o que todo mundo preferia não ver.

Joana morava de frente para a Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, e cansou de conviver com tiros, medo e a normalização do crime. Sem arma, sem escolta, sem holofotes. Ela mirou a janela e registrou traficantes armados, rotinas de vigia, idas e vindas que envolviam até crianças. Essas imagens amadoras, em fitas VHS, ganharam valor de prova e ajudaram a desbaratar uma rede criminosa que avançava para dentro do Estado, alcançando policiais corruptos.

Para proteger a fonte, o jornal Extra batizou a personagem de “Vitória”. A reportagem do jornalista Fábio Gusmão levou o caso a público, e a aposentada foi incluída no programa de proteção a testemunhas. A mudança de vida foi brutal: ela saiu do Rio e viveu em Salvador, sob identidade protegida, por 17 anos. Manteve o silêncio até 2023, quando morreu, após as filmagens do longa já concluídas. No cinema, o pseudônimo vira título; na tela, a mulher real reaparece como símbolo.

Dirigido por Andrucha Waddington e por Breno Silveira — neste caso, em trabalho póstumo —, o filme carrega também uma história de bastidores. Breno sofreu um infarto no início das filmagens, em 2022, e Waddington assumiu a condução até o fim. O resultado mantém a espinha dorsal do projeto: um suspense social de fôlego, que mistura a energia dos flagrantes com a intimidade de uma personagem que não pediu heroísmo, mas não aceitou calar.

No elenco, Fernanda Montenegro assume o centro com a precisão de sempre, evitando o clichê da “senhora frágil”. Em volta dela, Alan Rocha, Linn da Quebrada e Laila Garin criam um entorno vivo, de vizinhos, policiais e gente comum atravessada por medo, conivência e coragem. A produção da Conspiração Filmes, em parceria com o Globoplay, teve distribuição da Sony Pictures, ganhou sessão de abertura no Festival de Cinema Brasileiro em Paris e ampliou o alcance fora do país.

O interesse internacional não veio por acaso. A história joga luz sobre duas questões que o Brasil ainda cobra do poder público: a convivência de áreas urbanas com o domínio do tráfico e o impacto da corrupção no cotidiano. Ao escolher uma protagonista idosa — e anônima por duas décadas —, o longa desloca o foco da “ação policial” para a ação cidadã. É ela que move a trama, não a perseguição em alta velocidade.

Esteticamente, a narrativa recompõe a textura dos registros em VHS e contrasta esses planos crus com a reconstituição ficcional. O choque funciona: a granulação e o som áspero lembram que tudo começou em uma sala de estar, com uma câmera doméstica e nervos de aço. A cidade, ruidosa, é personagem. O silêncio, quando aparece, pesa mais do que qualquer trilha.

A trajetória até o streaming respeitou uma janela curta, mas eficiente. Foram pouco mais de três meses entre a estreia nos cinemas e a chegada ao Globoplay, uma estratégia que vem se consolidando no país: o filme ocupa as salas enquanto o boca a boca cresce e, num segundo fôlego, encontra um público que não conseguiu — ou não quis — ir ao cinema. Para uma produção adulta e sem franquias, atingir 700 mil pagantes é um feito que muda conversa de mercado.

No calendário de prêmios, o filme está entre os 16 trabalhos que disputam a indicação do Brasil ao Oscar 2026 na categoria Filme Internacional. A Academia Brasileira de Cinema anuncia uma lista com seis pré-selecionados em 8 de setembro e, uma semana depois, em 15 de setembro, escolhe o representante final. A movimentação ocorre no embalo do reconhecimento recente de “Ainda Estou Aqui”, vencedor da mesma categoria na última cerimônia — e aumenta a responsabilidade sobre a escolha de agora.

Se passar pelo crivo nacional, o caminho segue com exibições estratégicas para membros da Academia, campanhas segmentadas e presença em eventos que importam no circuito de Los Angeles e Nova York. Para avançar de verdade, a combinação costuma incluir um tema universal, uma protagonista magnética e uma narrativa que se sustente fora do noticiário local. Vitória tem esses três elementos.

Há também a camada humana que permanece quando os créditos sobem. O programa de proteção a testemunhas mudou a vida de Joana por quase duas décadas. A decisão de filmar custou o nome, a rotina e a vizinhança. Colocar isso na tela sem transformar a personagem em mártir é parte do acerto do roteiro de Paula Fiúza, inspirado no livro “Dona Vitória Joana da Paz”, do jornalista Fábio Gusmão, que revelou o caso e virou peça-chave na adaptação.

Para quem assina o Globoplay e pensa por onde começar, algumas pistas ajudam:

  • Atuação: Fernanda Montenegro entrega uma personagem contida, observadora, que guarda a explosão para a hora certa.
  • Assunto: crime e corrupção aparecem sem didatismo, do ponto de vista de quem observa — e registra.
  • Relevância: a história fala de cidadania, segurança pública e poder de prova em tempos de desinformação.
  • Memória: é o último trabalho de Breno Silveira, um dos diretores mais populares do país, aqui lembrado com respeito.

Na prática, o que o filme faz é devolver a uma mulher comum o lugar de protagonista da própria cidade. Ao repetir detalhes da rua, das vozes, do medo de abrir a janela, a narrativa aproxima a plateia de uma pergunta simples: o que cada um faria no lugar dela? É nesse desconforto que o longa cresce.

Com a chegada ao streaming, a conversa tende a se espalhar para além das capitais e dos festivais. Professores já cogitam usar trechos em sala de aula para discutir cidadania e prova audiovisual; clubes de cinema programam sessões seguidas de debate; e plataformas sociais deverão repatriar trechos que viralizaram quando o trailer circulou. A história, que começou em fitas caseiras, agora vira pauta ampla.

Seja qual for o destino na corrida ao Oscar, a passagem de Vitória já deixou marca nas bilheterias, na crítica e no público. O lançamento no Globoplay é o passo que faltava para que mais gente conheça a aposentada que transformou a própria janela em trincheira — e o bairro, em cenário de uma virada que começou com um clique.